Rainha Vashti revisita em seu argumento a crônica do indigitado rei persa, Xerxes, aqui chamado de Ashuero, o mesmo conquistador obsessivo que, buscando emular as façanhas guerreiras de seus predecessores no trono (sobretudo o pai, Dario I), só conseguiu levar o mundo persa ao caos e à destruição. Rainha Vashti oferece-nos um vivo testemunho poético do alcance social da lírica, pois a recriação do relato bíblico como um a fábula sobre o poder, e sobre rituais vazios que necessita reencenar incessantemente, alcança seu efeito ao escavar a experiência individual de cada participante dessa triste comedia, em versos, que mais do que réplicas, são um trânsito febril entre um desejo que se apalpa, se ausculta, e o desejo do outro, inagarrável. Myriam maneja com destreza em delicada alquimia verbal, a forma híbrida do poema dramático, em que a alteridade dos agentes e a objetividade da ação são moldados pela força poética da linguagem.
Rainha Vashti
Rainha Vashti – Salvador: A Roda Edições, 2015.